O canto homofóbico que cita o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) entoado por torcedores do Atlético nesse domingo pode gerar punição ao clube alvinegro. A música foi ouvida das arquibancadas do Mineirão durante o empate por 0 a 0 no clássico contra o Cruzeiro, pela 25ª rodada do Campeonato Brasileiro.

https://twitter.com/pedrosadanillo/status/1041456092075761664

“Ô cruzeirense, toma cuidado: o Bolsonaro vai matar veado”, diz o canto (assista ao vídeo acima). A reportagem do Superesportes e do Estado de Minas estava no local e presenciou o momento durante o intervalo do jogo. A música foi registrada em vídeo nas redes sociais, que se encheram de críticas à atitude de atleticanos.
O Atlético está sujeito a punições por conta do que ocorreu nas arquibancadas do Mineirão. Nos últimos anos, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) aumentou a atenção a casos como esse.
O termo ‘homofobia’, entretanto, não é mencionado uma vez sequer nas 301 páginas do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). O documento cita preconceitos ‘em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência’, mas, teoricamente, deixa de lado questões sobre orientação sexual.
Apesar disso, o STJD tem analisado episódios de homofobia. A maioria dos casos é incluída no artigo 243-G do CBJD, que prevê punições justamente a qualquer ‘ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.
“PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009)”, lê-se no CBJD.
Os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo especificam a punição e citam, inclusive, atos praticados por torcedores e a eventual perda de pontos no campeonato:
“§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
 
§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
 
§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009)”.
Após a repercussão negativa na internet, o Atlético usou sua conta no Twitter para criticar a postura dos torcedores. “O CAM lamenta profundamente as manifestações homofóbicas de parte dos torcedores, no jogo deste domingo, no Mineirão. Reiteramos nosso repúdio a quaisquer gestos de preconceito ou de incitação à violência”. 

Casos recentes

A possibilidade de punição ao Atlético se baseia em episódios registrados nos últimos anos no futebol brasileiro. Em setembro de 2014, a Procuradoria do STJD solicitou a instauração de um inquérito em função de cantos de corintianos e são-paulinos durante clássico vencido pelo time alvinegro por 3 a 2. A intenção era justamente enquadrar o caso no artigo 243-G.
Em Itaquera, torcedores do São Paulo entoaram um canto LGBTfóbico: “Gambá, me diz como se sente/ Por que você gosta de beijar?/ Ronaldo saiu com dois travecos/ O Sheik, selinho ele foi dar/ Vampeta posou para a G/ Dinei desmunhecou/ Na Fazenda de calcinha ele dançou/ Não adianta argumentar/ Todo o mundo já falou/ Que o gavião virou um beija-flor”.
Corintianos, que soltava o grito de ‘Bicha’ nos tiros de meta batidos por Dênis, responderam: “Vai pra cima delas, Timão! Da bicharada!”. E emendaram: “Vamos, Corinthians! Dessas bichas, teremos que ganhar!”.

Antes do jogo, são-paulinos caminharam rumo ao estádio com camisetas com letras que formavam ‘Gaivotas da Fiel’, em referência a uma torcida LGBT do Corinthians.

Em julho de 2017, outro caso de homofobia foi investigado pelo STJD. O Paysandu foi denunciado por conta de de um episódio em que integrantes da organizada Terror Bicolor agrediram torcedores da Banda Alma Celeste, que se posicionaram favoravelmente à causa LGBT.
A situação foi registrada em 30 de junho daquele ano, quando Paysandu e Luverdense empataram por 1 a 1, no Estádio da Curuzu, em Belém, pela 11ª rodada da Série B. O clube paraense foi julgado também com base no artigo 243-G do CBJD ainda em julho.
O Pleno do STJD decidiu pela absolvição do Paysandu. Ex-presidente do clube e advogado de defesa no caso, Alberto Maia negou que o episódio se tratou de homofobia. “Não houve tiro, briga generalizada, nenhum objeto arremessado no campo e muito menos homofobia. Isso foi criado pela imprensa. Não se vê no vídeo nenhuma bandeira do LGBT no estádio”, disse, à época.
Auditores entenderam que as imagens que captaram o momento e o boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil não comprovavam homofobia. Esse caso foi divulgado como o primeiro da história a ser realmente julgado pelo STJD.
No caso, o Paysandu foi enquadrado no artigo 213 (“desordem”) e multado em R$ 5 mil por confusão nas arquibancadas do Curuzu. A pena – inicialmente estabelecida em R$ 7,5 mil, mas reduzida posteriormente após recurso – foi convertida no pagamento de cestas básicas.

Punição à CBF

Se os clubes ainda não foram punidos, o mesmo não se pode dizer da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A entidade foi multada seguidas vezes pela FIFA por conta de atitudes homofóbicas de torcedores em jogos da Seleção.
A FIFA já puniu financeiramente outras confederações por conta de atos discriminatórios nas arquibancadas. Em outubro de 2017, por exemplo, entidades futebolísticas de Argentina (R$ 213 mil), Panamá (R$ 164 mil), Chile (R$ 114 mil), Hungria (R$ 65 mil), Equador (R$ 65 mil) e México (R$ 33 mil) foram penalizados. Na ocasião, a CBF teve de pagar R$ 33 mil.

Revolta de torcedores

Além da menção no canto, Jair Bolsonaro teve o próprio rosto estampado em uma camisa levada por um atleticano ao Mineirão.
Nas redes sociais, os próprios atleticanos demonstraram irritação com o canto. Torcedores de outros times também protestaram contra a manifestação homofóbica.
Movimento de torcedores que se denomina ‘anti-homofóbico e anti-sexista’, Galo Queer publicou uma nota nas redes sociais:
“Esperamos que a diretoria do Clube Atlético Mineiro se posicione publicamente em repúdio aos cantos entoados pela torcida atleticana no clássico de hoje, no Mineirão. Um grito que incita diretamente o assassinato de homossexuais. É inadmissível que o clube que carrega o marketing de time de povo fique em silêncio diante das ações violentas de parte da sua torcida.
Lembramos que o artigo 13 do Estatuto do Torcedor garante que não se deve incitar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza, e ainda que não tenham cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos.
O Galo deve ser amor e não intolerância. #EleNÃO”
Superesportes

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