Inteligência artificial dispensa habilidades essenciais e pode alterar processo de aprendizagem dos alunos

A Inteligência Artificial (IA) está ganhando cada vez mais espaço na vida dos brasileiros, sobretudo, entre os adolescentes. Produtos como a Alexa, da Amazon, e sistemas de chatbot, como o ChatGPT e o YouChat, chamam a atenção por prometer auxiliar em tarefas diárias, resultando em mais comodidade para os consumidores. Na educação, a grande dúvida é se a tecnologia pode ser considerada um amigo ou inimigo, uma vez que o uso excessivo do recurso pode alterar o processo de aprendizagem dos alunos.

Como são facilitadores, os sistemas dispensam habilidades essenciais, como leitura, interpretação de texto, raciocínio lógico e compreensão. No caso do ChatGPT, lançado em novembro de 2022, os usuários podem interagir com o software e pedir resumos, roteiros, cronogramas e resolução de problemas matemáticos, por exemplo. Tudo é fornecido com respostas variadas em uma linguagem fluida e natural, semelhante à humana. O sistema é parecido ao da Alexa, mas com respostas mais sofisticadas e somente em texto.

“A Inteligência Artificial pode ter um impacto significativo na educação e no aprendizado dos estudantes – tanto positivo como negativo. Os aplicativos que conhecemos hoje partem da premissa de textos decorados, que não utilizam o raciocínio. O estudante precisa saber que o raciocínio é fundamental para o seu aprendizado”, comenta Jade Beatriz, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). “Entender a IA como ferramenta e não como fim é essencial”, acrescenta.

O mesmo é dito pela educadora e Conselheira da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Karina Nones Tomelin, que ressalta o possível aumento de plágios e trabalhos feitos automaticamente pela tecnologia. Segundo ela, está cada vez mais evidente a necessidade dos professores desenvolverem avaliações que de fato provoquem o estudante a resolver um problema e que mobilize capacidades cognitivas mais complexas, como julgar e avaliar um determinado conteúdo.

“O que podemos fazer é estimular os estudantes a pensar no que a IA pode ajudá-los a resolver no cotidiano de suas atividades formativas. Mobilizar os estudantes a criarem perguntas bem calibradas para verificar as respostas que a IA fornece. Comparar as respostas, sintetizar as respostas, produzir mapas mentais ou até imagens com as respostas. A IA é uma ferramenta de cocriação e quem estiver colaborando com ela, quanto mais fluente for no uso da tecnologia, melhores resultados terá”, avalia Karina.

É importante ressaltar que a IA ainda não é regulamentada no Brasil. Na última semana, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou um projeto de lei para regulamentar a tecnologia, alegando que os sistemas provocarão mudanças significativas nos setores econômicos e sociais. O texto traz 45 artigos que se dividem em fundamentos gerais da utilização; proteção de direitos das pessoas afetadas por sistemas de IA; categorização de riscos; governança; responsabilidade civil; códigos de boas práticas e governança; comunicação de incidentes graves; e supervisão e fiscalização.

Apesar dos temores, a tecnologia pode servir como parceira dos professores, como na organização de aulas, estruturação de conteúdos, planos e atividades avaliativas. O papel dos sistemas deve servir apenas como apoio, inspiração ou insights para que os educadores, na sequência, façam uma curadoria do que deve ser aplicado em sala de aula. Estimular o uso das ferramentas por alunos também pode ser positivo, atraindo mais a atenção para a atividade. A ação, no entanto, deve ser orientada para que não haja perda do aprendizado ou informações inconsistentes.

“Cada vez mais precisaremos olhar para algo que Paulo Freire já nos alertava: o exercício da pergunta. Qual é a pergunta ou problema que preciso resolver? Antes de obter boas respostas da IA, é preciso ter boas perguntas para ela. Enquanto educadores, precisamos conhecer para também orientar nossos estudantes. Testar, compartilhar com outros professores o que estamos fazendo, trocar ideias para construirmos este caminho juntos, como protagonistas, não como vítimas”, afirma Karina.

A aposta na IA para o setor educacional também é compartilhada por Christian Perrone, pesquisador sênior da área de direito e tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio). Para ele, os sistemas podem promover uma maior identificação com os alunos, uma vez que os softwares agem como “tutores” quando os estudantes estão em casa e precisam de auxílio com alguma lição. Neste caso, o ponto a ser analisado pelos professores seria a lógica ou o conceito utilizado pelos alunos para chegar ao resultado da tarefa.

“Acredito que, com a IA, as atividades devem ser avaliadas pelo processo e não pelo resultado. Os professores precisam analisar como o aluno chegou ao trabalho final, ou seja, qual foi a metodologia utilizada por ele. Isso coloca a função do aluno como o elemento primordial, mesmo com o uso da tecnologia”, diz Christian. “Um dos principais riscos que corremos é a pouca ou nenhuma participação humana na atividade, o que nos leva a precisar de outra ferramenta de IA, mas dessa vez para verificar plágios”, completa.

Como a experiência é relativamente nova, acredita-se que o real impacto da IA na educação será evidenciado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano – porta de entrada para universidades brasileiras e portuguesas. A prova, que será aplicada em novembro, conta com 90 questões de humanas e exatas, além de uma redação, o que irá testar, de fato, o conhecimento e desenvolvimento do aluno.

“É fundamental que todos entendam o papel da IA na educação e a usem-na de forma responsável para garantir que os estudantes possam aprender de forma eficaz e justa, já que os alunos podem se tornar excessivamente dependentes da IA para seu aprendizado, perdendo habilidades importantes, como a resolução de problemas e a tomada de decisões críticas. Nada substitui o bom lápis, sentar na carteira e pensar. No Enem, por exemplo, não existe IA. A prova depende apenas das capacidades de cada um”, frisa Jade.

Questionado, o Ministério da Educação (MEC) informou que ainda não tem discussões ou propostas concretas tramitando sobre o tema na pasta.