Composto semelhante à água sanitária tem sido utilizado erroneamente na tentativa de tratar diversas doenças e transtornos
A difusão de informações falsas teve uma grande ascensão durante a pandemia de covid-19. Quase como uma pandemia paralela, as “famosas” fake news se alastraram pela população e o negacionismo a respeito da ciência colaborou para os mais de 700 mil mortos no Brasil, conforme os dados do Ministério da Saúde.
Para além da pandemia, a desinformação continua presente, principalmente em relação à saúde. Tal qual a ivermectina foi utilizada como uma falsa cura para a covid-19, algumas pessoas têm utilizado alvejante para “curar” o autismo. O que pode parecer cômico ou surreal é, na verdade, bastante perigoso e difundido: é a conhecida MMS.
Uma falsa solução milagrosa
A Solução Mineral Milagrosa, também chamada de MMS, é um produto comercializado como medicamento e que apresenta semelhanças com a água sanitária. Isso porque sua composição inclui dióxido de cloro, clorito de sódio e pó cítrico, esse último conhecido por sua utilização em alvejantes à base de cloro.
Jim Humble, um antigo garimpeiro estadunidense, é quem começou a divulgar a solução como cura de várias doenças, entre elas, aids, alzheimer, câncer, diabetes, esclerose múltipla e parkinson. De acordo com ele, algumas pessoas contraíram malária na Amazônia e teriam sido curadas pela mistura. A difusão do charlatanismo se deu porque Humble criou a igreja “Gênesis II” e ganhou diversos seguidores.
Dentre eles, Kerri Rivera se destacou, principalmente no meio de pais de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A homeopata, como se declara nas redes sociais, publicou um livro em que ensina pais a tratarem o autismo com o uso do MMS. O livro foi tirado de circulação por conter informações falsas.
Não existe nenhum estudo que comprove a eficácia da solução no tratamento de quaisquer doenças. O método difundido, que inclui a ingestão por via oral e/ou retal, causa descamação da parede do intestino, que os seguidores do culto acreditam ser vermes ou parasitas que estão no organismo causando a doença, o que é uma inverdade.
Andréa Werner é presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência e combate o uso do MMS. Em suas redes sociais, ela explica como o culto consegue convencer as pessoas: “Eles são um culto, uma seita. E usam as mesmas táticas. No caso do autismo, criam o problema e a culpa: ‘você intoxicou seu filho com vacinas e antibióticos, por isso ele é autista’. Oferecem a solução: o MMS/CD”.
O passo seguinte, de acordo com ela, é semelhante ao que observamos durante a pandemia de covid-19: afastar as pessoas da verdade e dos embasamentos científicos. Para isso, os vendedores pregam, de forma falsa, que os médicos apenas querem atender os interesses das empresas farmacêuticas, criando doenças para venderem remédios.
A ingestão de um produto como esse, que é semelhante à água sanitária, pode causar irritação nasal, ocular, pulmonar e na garganta, além de sintomas como náuseas, vômitos, dificuldade respiratória, diarreia e desidratação grave. Esses efeitos podem levar a complicações graves e até mesmo ao óbito.
“Na medicina, tudo que é visto como muito milagroso precisa ser olhado com muita cautela. Todos os medicamentos, hoje em dia, que são produzidos, passam por várias fases de produção, justamente para que, quando chegar ao consumidor final, que é o paciente, não apresente nenhum tipo de risco. Em relação ao MMS, não existe nenhum estudo que comprove que os efeitos colaterais são menores que o benefício do tratamento para poder justificar esse uso com segurança”, afirma Nelson Ferreira Júnior, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (Famed/UFU) e neuropediatra do Centro de Referência de Transtorno do Espectro Autista (CR-TEA).
Se é uma solução falsa, ela é proibida
Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenha proibido a venda online do produto, não é difícil encontrá-lo. Diante dessa situação, a agência emitiu um comunicado às vigilâncias sanitárias estaduais, alertando sobre a proibição da comercialização do produto.
Mesmo assim, há relatos de pais que denunciam a venda em farmácias de manipulação e em sites na internet. A difusão da falsa solução e a tentativa de combatê-la não é algo recente, mas ainda necessária, visto que uma arma poderosa – e que já foi utilizada outras vezes para a difusão das fake news – está em jogo: as redes sociais.
Diversos relatos estarrecedores circulam em grupos, o que retroalimenta o imaginário de pessoas que estão desesperadas pela cura de alguma doença.
Autismo NÃO é doença
É importante destacar que o TEA não é uma doença e, sim, um transtorno, logo, não tem cura, muito menos milagrosa. “Doença seria uma falha na saúde associada a um desequilíbrio em relação ao ambiente. Geralmente, a doença tem uma causa conhecida, sintomas específicos e provoca algumas alterações no organismo. O autismo é considerado um transtorno, justamente porque um transtorno é aquilo que gera um prejuízo para o paciente”, explica o médico.
Por não ser uma doença, o autismo não tem um tratamento específico. O professor explica que o acompanhamento do paciente tem como objetivo auxiliar nos prejuízos que ele possa ter, como na comunicação e interação, e alterações sensoriais.
Atualmente, a metodologia que tem mais benefícios, de acordo com os estudos científicos, é a ABA, em que há a análise do comportamento aplicada e que já tem benefícios comprovados. O intuito dessa terapia é observar o paciente, levantar os prejuízos e as dificuldades e propor intervenções específicas, que são individuais.
“Não existe uma solução milagrosa que vai, de um dia pro outro, tratar, entre aspas, essas características do paciente, justamente porque não é uma doença. Como essas crianças precisam de um apoio substancial de outras pessoas, os pais acabam ficando muito preocupados em relação a essa evolução e querem uma solução imediata”, declara Ferreira Júnior.
Por fim, o médico destaca que a forma mais eficaz de conscientizar a população sobre medicamentos falsos é a divulgação científica e propagação de estudos que comprovam, ou não, que determinados medicamentos podem ser utilizados. “Tudo aquilo que é muito resolutivo ou 100% eficaz para todas as pessoas, devemos, sim, questionar, buscar mais informações confiáveis e procurar um médico ou profissional da saúde que possa nos ajudar”, finaliza.
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