É inadmissível, vergonhosa e revoltante a invasão de cidades brasileiras por assaltantes de bancos que imobilizam a polícia, atiram nas residências e fazem filas de reféns na rua.
O que começou como uma imitação do cangaço, em municípios do interior do País encorajou os bandidos a fazer o mesmo em cidades importantes e populosas, como Araraquara, em São Paulo, Criciúma, em Santa Catarina e Cametá, no Pará.
Os assaltos a caixas eletrônicos se alastraram nos últimos anos sem que houvesse uma reação convincente para intimidar os ladrões.
Comecei como repórter em uma cidade de quinze mil habitantes, com juiz, promotor, delegado de Polícia, dois escrivães, dois investigadores e guardada por um pelotão de nove homens da Força Pública – todos os policiais no mesmo prédio – numa época em que não havia crimes.
Hoje coabito um município de dez mil habitantes em que a agência do Bradesco foi atacada uma vez e a do Banco do Brasil duas e destruída. A cidade não tem delegado e a sede da antiga delegacia foi desativada. Dois PMs , numa casa alugada cuidam da segurança da área urbana e de oitocentas propriedades rurais, como se fosse possível.
Poderão dizer que não se justifica sacrificar a vida de policiais para proteger o dinheiro dos bancos, o que faz sentido, mas é um raciocínio incompleto. Quando o Poder Público dá sinais de fraqueza o crime ocupa espaço e a violência aumenta. O risco para policiais e cidadãos também.
Os policiais brasileiros se queixam de efetivo insuficiente, salários baixos, falta de recursos operacionais, de terem armas menos poderosas do que as dos criminosos e criticam a Justiça por libertar bandidos capturados à custa de anos de investigação.
Nos debates eleitorais de governadores e Presidente, o que mais se ouve é o interminável jogo-de-empurra da falta de fiscalização nas fronteiras e da entrada de armas contrabandeadas de países vizinhos. Há décadas falam a mesma coisa.
Uma vez, em Boston, encontrei a cidade bloqueada para o desfile da Independência e não podia ir a lugar algum. Comecei a observar os policiais nas esquinas, ao lado de carros blindados, turbinados e cheios de fuzis, metralhadoras, telas, impressoras, imagens e antenas de satélite. Homens e mulheres com a faca nos dentes.
O nosso problema é mais abrangente : sofremos da falta de uma política moderna de policiamento que privilegie a inteligência, a estratégia, a valorização dos policiais e a renovação dos métodos.Para ser claro é preciso mexer com urgência no modelo de segurança pública brasileiro.
Algumas dessas reformas foram aprovadas no ” pacote anticrime” e outras rejeitadas pelo Congresso para enfraquecer o então ministro da Justiça, Sérgio Moro. A principal perda, sem dúvida, foi a medida que oficializava a prisão dos condenados em segunda instância.
No caso desse “pacote” caprichos pessoais e políticos se sobrepuseram a iniciativas sérias para combater o crime. Isso confirma que dificilmente será aprovada a base da reforma da polícia brasileira : a fusão das polícias civis e militares e sua transformação em polícias estaduais.
Uma providência que clama em nome da racionalidade, da maior eficiência e da junção de forças que formariam uma polícia única e muito mais poderosa.
Infelizmente prevalecem os interesses corporativos, a rivalidade de delegados e oficiais , a disputa de cargos e salários e a dúvida de quem vai mandar em quem.
Para que insistir em duas polícias que não se gostam, não se misturam, não agem juntas e com essa divisão enfraquecem o poder do Estado diante do crime ? Pior : têm orçamentos distintos e custam o dobro.
Esta não é uma crítica aos policiais civis e militares que no anonimato de sua profissão fazem o que podem e arriscam a vida para proteger a sociedade. É a favor, não contra.
Apregoa-se a desmilitarização da PM, o que é um preconceito ideológico, não uma solução prática. A polícia de que precisamos é diferente das que temos. Uma polícia nova, nem civil nem militar, com outra organização interna, desenhada para o Brasil de hoje.
Meu sogro, segundo tenente reformado João Rodrigues Pereira, da PM de São Paulo teve uma oportunidade rara : começou a carreira na Força Pública, mudou-se para a Guarda Civil e voltou para as fileiras da Polícia Militar. Respeitava e tinha admiração pelas três corporações, mas sempre dizia que o modelo mais indicado de policiamento era o da antiga Guarda Civil, hoje algo próximo da Scotland Yard.
Um dia perguntei sobre a unificação das polícias a uma altíssima autoridade da República e ouvi uma reprimenda :
– O quê ? Você quer me arranjar confusão com as polícias ? Deixe como está. É mexer em vespeiro.
Estamos mal. Meu sogro policial (já falecido), eu e todos aqueles que pensam como nós.
O crime agradece. Enquanto nos recusarmos a enfrentar o mais evidente entrave à eficiência da polícia brasileira – duas policias de costas uma para a outra – e prevalecerem os interesses políticos, pessoais e corporativos, a sociedade será derrotada. Os bandidos continuarão a aterrorizar nossas cidades, a assaltar bancos, a tirar a vida de policiais e cidadãos e afrontar o Estado brasileiro.
Acreditem: eu ainda escrevia sobre o que aconteceu em Criciúma e os bandidos já atacavam Cametá.
*O jornalista Carlos Nascimento é âncora do SBT Brasil