Um paralelo entre a reforma trabalhista instituída pela ditadura militar chilena, de Augusto Pinochet, e aquela implementada pelo atual governo federal, de Michel Temer, foi realizado pela procuradora do Ministério Público do Trabalho, Lutiana Lorentz, durante audiência pública realizada nesta quinta-feira (24/8/17), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A reunião foi promovida pela Comissão Extraordinária das Mulheres, com o objetivo de discutir o impacto da reforma para as mulheres. O encontro foi aberto pela presidente da comissão, deputada Marília Campos (PT), que ressaltou a necessidade de se manter a luta contra a reforma trabalhista, mesmo após sua aprovação. “Temos que lutar para revogá-la”, convocou.
Marília Campos lembrou que as mulheres já ocupam hoje os postos de trabalho mais precários, situação que tende a se agravar com as novas regras, como o trabalho intermitente, em que a trabalhadora pode ser obrigada a prestar serviços sem jornada pré-determinada.
Lutiana Lorentz afirmou que a reforma trabalhista brasileira segue o mesmo modelo e tem os mesmos objetivos da que foi implantada pelo regime militar chileno, na década de 1970: afastar os sindicatos da negociação entre patrões e empregados, promover uma ampla terceirização e enfraquecer a democracia.
De acordo com a promotora, o Brasil é o quarto país em acidentes de trabalho, algo que tende a se agravar com a reforma. Ela considera que as novas regras contrariam acordos internacionais assinados pelo Brasil e são inconstitucionais, violando, por exemplo, garantias ao trabalhador que estão previstas pelo artigo 7° da Constituição da República. Da forma como estão as coisas hoje no Brasil, para Lutiana Lorentz, o consumidor conta com mais garantias e proteção legais que o trabalhador.
A promotora destacou o fato de que as regras de duração da jornada e intervalos não são mais consideradas como normas de saúde e segurança, podendo ser negociadas diretamente entre patrões e empregados. Essa negociação direta entre desiguais, em sua avaliação, é na verdade um “massacre”. “Regras assim levaram o mundo a duas guerras mundiais”, condenou.
Argumentos do governo federal são criticados
Maria de Fátima Guerra, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), disse que os dados mostram ser falso o principal argumento usado pelo governo federal em favor da reforma trabalhista, a geração de empregos.
Segundo ela, não há exemplos de países que flexibilizaram o mercado de trabalho e geraram mais empregos por causa disso. “Os objetivos da reforma são aumentar a segurança jurídica das empresas, reduzir custos e enfraquecer os sindicatos”, avaliou.
A economista do Dieese afirmou que o governo anunciou como vantagens para as mulheres a ampliação e regulamentação de um cardápio de contratos precários de trabalho, que hoje já são ocupados majoritariamente pelo sexo feminino. “Só que as mulheres não estão nesse tipo de contrato porque querem; estão porque são forçadas”, afirmou.
Entre as questões que passam a estar sujeitas à negociação direta entre patrões e empregados, estão os intervalos de amamentação. Outro ponto muito criticado na reunião é que a lei passa a permitir o trabalho de gestantes em ambientes com grau médio e mínimo de insalubridade.
Maria de Fátima questionou se, sem o apoio dos sindicatos, as trabalhadoras terão condições de negociar essas questões ou denunciar abusos como a discriminação sexual ou assédio no local de trabalho.
Empregadas domésticas são prejudicadas
Uma triste ironia, destacada na reunião, é a situação das empregadas domésticas, que há pouco tempo conquistaram diversos direitos trabalhistas. Com a reforma, agora é permitida a demissãode qualquer trabalhador com redução de direitos, mediante acordo com o empregador.
“Esses acordos não permitem acesso ao seguro-desemprego e o trabalhador agora terá que pagar para ter acesso à Justiça do Trabalho, a menos que prove que é pobre”, afirmou Maria de Fátima.
Ela acrescentou ainda que o trabalhador agora é obrigado a assumir os custos da perícia trabalhista, em qualquer caso, e a arcar com as custas processuais, se perder a ação trabalhista. Com regras como essa, em sua avaliação, o acesso das trabalhadoras domésticas à Justiça do Trabalho se inviabiliza, pouco depois de ter sido garantido por lei.
Perda de direitos – A advogada Ellen Mara Hazan, da Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas, disse que o argumento dos defensores da reforma é de uma igualdade distorcida, equiparando os trabalhadores que tinham alguns direitos à grande maioria de trabalhadores em situação precária ou informal. Ela defendeu a desobediência civil contra as normas aprovadas que podem prejudicar a população.
A secretária de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Rosilene Cristina Rocha, lamentou que o Brasil tenha voltado ao mapa da fome, em função do empobrecimento gerado pela desvalorização do trabalho. Ela afirmou que o Estado procura priorizar ações relacionadas à economia solidária para minimizar os efeitos da crise. Como outras participantes da reunião, advertiu para a importância de uma reação da sociedade. “Se não nos mobilizarmos, enfrentaremos uma situação cada vez mais complicada”, disse.
A diretora do Sindicato dos Bancários, Luciana Ataíde Brandão Bagno, também cobrou mobilização. Ela lamentou que muitas categorias vinham, nos últimos anos, negociando direitos além dos garantidos pela legislação e, agora, terão que lutar para não perder o que ainda existe.
Para a presidente do Sindicato dos Psicólogos e Psicólogas, Lourdes Aparecida Machado, a reforma vai beneficiar apenas o sistema financeiro. Ela lembra que 34% das mulheres já são responsáveis pelo sustento dos lares brasileiros e normalmente têm uma jornada de trabalho 5 horas semanais a mais que homens. Agora, ela prevê que as mulheres terão que se sacrificar ainda mais para garantir o mínimo necessário.
Thaís Claúda DÁffonseca, diretora do Sindicato dos professores de Minas Gerais (Sinpro) e professora da PUC-Minas, acusou as mudanças de ferir direitos individuais, coletivos e processuais. Ela também sugeriu utilizar dispositivos e outras legislações, como o Código Civil, para tentar reverter alguns prejuízos causados pelas novas regras.
ALMG